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sábado, 25 de março de 2017

Fragmentos de um todo

AVISO: se você gosta dos principais filmes de M. Night Shyamalan, evite este texto a qualquer custo e corra para o cinema para assistir Fragmentado. Se você não está familiarizado com a filmografia deste diretor, ou é daqueles que passaram a menosprezar até mesmo suas primeiras obras, então talvez Fragmentado não seja para você. Nem muito menos esta resenha.


Depois de apanhar (exageradamente) da crítica com A Dama na Água, Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar e Depois da Terra, o diretor-roteirista M. Night Shyamalan parecia ter sido renegado às margens de Hollywood. Focou um pouco na TV, com a interessante série Wayward Pines, e foi preciso uma parceria com o "midas das produções de terror de baixo custo", Jason Blum, para retornar à telona em 2015 com A Visita.

O filme foi um sucesso, dadas as devidas proporções, e acabou tirando um pouco da desconfiança que pairava sobre Shyamalan.  Assim, a dupla se reuniu para Fragmentado, divulgado como um suspense sobre um homem com 23 personalidades que sequestra três jovens.

Em boa parte, e por vários motivos, o filme lembra muito o ótimo Rua Cloverfield, 10, mas sem atingir o mesmo nível de tensão. Há inquietude, mistério e, sobretudo, uma inesquecível atuação de James McAvoy como o portador do transtorno. Mas, Fragmentado sofre dos riscos associados à mudança abrupta de gênero, já que no ato derradeiro aparentemente assume tons sobrenaturais, fazendo uma transição de suspense psicológico para terror. Com o desfecho, M. Night parece ter entregue um filme B moderno, que vale a jornada e que renderia à produção o status de "bom".


Só que só isso não é suficiente pro cineasta.

Os créditos finais nem começam e já é apresentada uma cena extra. Um epílogo que é a grande reviravolta que todos esperam de um bom Shyamalan. Aqui aparece Bruce Willis como seu personagem de Corpo Fechado, David Dunn, não só fazendo uma ponta curiosa, mas permitindo toda uma nova releitura de Fragmentado. E que muda seu status de "bom" para "muito bom".

No entanto, esta guinada pode não agradar nem ser entendida por parte do público. Na minha sessão, enquanto eu olhava para os créditos finais com um enorme sorriso no rosto matutando como que Shyamalan tinha conseguido pregar esta peça, reparei que dois casais também permaneceram na sala, conversando entre si, muito confusos. Ouvi coisas como "Não entendi, será que ele virou aquele cara ali?", "Será que ele era esse tal Sr. Vidro?", "Achei ele muito parecido com Bruce Willis, será que era ele?". Eles esperaram por uma esclarecedora cena pós-créditos e, ao constatar que ela não existia, um disse: "É, este filme não é nenhum Marvel."

O que é irônico, pois ele é muito mais parecido com a Marvel do que qualquer um poderia ter imaginado.

Primeiro porque, com o epílogo, o filme deixou de ser um terror B para novamente mudar de gênero e virar um filme de super-herói. Bem como Corpo Fechado, Fragmentado é um filme de origem, do vilão A Horda e, entendo, também de uma nova heroína. Afinal, toda aquela bagagem pesada e (desnecessariamente?) sombria da personagem de Anya Taylor-Joy (que aqui não brilha como em A Bruxa, mas tem participação sólida) não pode ter sido só para salvá-la no final ou para justificar que ela saberia usar uma espingarda. E, detalhe: Casey Cook tem iniciais repetidas, assim como o diretor fez 17 anos atrás para dar dica de que David Dunn era um super-herói, seguindo um certo padrão de identidades secretas: Peter Parker, Bruce Banner, Matt Murdock, Lex Luthor, Clark Kent (por que não?) e por aí vai...

E em segundo lugar porque, assim como a Marvel criou o seu chamado MCU (Marvel Cinematic Universe), Shyamalan tirou da manga uma espécie de... perdão, sei que não vai soar bem... UCU (Unbreakable Cinematic Universe). E não foi um truque barato, mas algo bem elaborado que envolveu esconder uma cena que não estava disponível no roteiro de ninguém e fazer um pedido pessoal a um manda-chuva da Disney para cessão de uso do personagem David Dunn.

Neste universo, pode-se deduzir que um acidente de trem matou o pai de Kevin em Fragmentado e que foi o mesmo ao qual David sobreviveu em Corpo Fechado? Sr. Vidro, vejam só, teria despertado não só um super-herói, mas também um (outro) supervilão, já que o pai de Kevin "entrar num trem e nunca mais voltar" foi o que desencadeou os abusos da mãe e, por consequência, suas múltiplas personalidades. E há uma cena em Corpo Fechado em que David Dunn está no estádio descobrindo seu poder de "detecção de pessoas más" e depois que esbarra em uma mãe, fica fixamente observando-a puxar o filho pelo braço... Não seria Kevin ali?

Será que vamos descobrir que o tio de Casey não conseguiu pegá-la no restaurante no começo do filme porque ele deu uma esbarrada em David Dunn por aí? E aí quem foi buscá-la no carro da polícia no final era o próprio David se passando por tio, com o intuito de ser o mentor dela até que descubra seu superpoder? Acho que já divago demais.

De qualquer forma, existem várias possibilidades certamente promissoras na cabeça de M. Night e, nem que seja só por mais um filme - de uma trilogia, estou extremamente ansioso e empolgado para (perdão de novo) revisitar o UCU do Shyamalan.


Fragmentado (Split), 2017




2 comentários:

  1. "Há sempre dois tipos de vilão: o vilão-soldado, que luta com o herói com as próprias mãos, e a verdadeira ameaça, o maléfico e genial arquiinimigo que luta com a mente."
    Corpo Fechado (Unbreakable), 2000

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  2. Show a resenha. Achei muito bom o filme também! Ao longo já havia identificado o caráter de filme de super herói, com a dicotomia caçador vs fera, mas nem assim sonhei em fazer a ponte com corpo fechado!
    Até que enfim M.N.S. voltou a fazer um bom filme...!!!

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