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terça-feira, 31 de outubro de 2017

O fantasma da crise (não) existencial


Ao contrário do que o título original pode sugerir (A Ghost Story), Sombras da Vida não é um filme de terror. E é uma obra de agradar a poucos.


A passagem do tempo é um tema central e a produção investe em longas cenas centradas no cotidiano, nas coisinhas mundanas, tornando-se propositalmente lenta e arrastada. Sua duração é de uma hora e meia, mas sensação é de três horas. Assim, é para ser consumida só, sem interrupções. Uma tarde chuvosa é uma boa pedida, mas não logo após o almoço, para evitar que o sono apareça. Esse fantasma não vai tirar o sono. Vai certamente assombrar o espectador por horas após o fim do filme, mas não da maneira usual.

Sendo um drama sobre perda e luto, com a presença de Casey Affleck num papel principal é impossível não remeter a Manchester à Beira-Mar. Mas, logo as similaridades se esvanecem e o longa passa a fazer jus a seu título, contando de fato a história sob a perspectiva do fantasma. Filosófico, poético e minimalista, ainda consegue criar uma interessante mitologia em torno do que é ser fantasma, por que se apega a uma casa específica, qual a razão da sua existência. Mesmo sem parar para explicar nada, passa uma clara noção de como funciona a dinâmica daquilo tudo.

Quem conseguir se manter acordado (e vale a pena se esforçar para tal) estará bem servido de uma experiência inusitada e singular.


Sombras da Vida (A Ghost Story), 2017




sábado, 28 de outubro de 2017

Há solução, Sherlock


O revés de se fazer um trabalho excelente é que tudo que vier depois e não for do mesmo nível pode, por comparação, ser taxado de ruim. Desde que sua primeira temporada foi lançada em 2010, Sherlock passou a correr este risco. A segunda e a terceira temporadas conseguiram se manter à altura, mas finalmente o destino implacável assolou a série da BBC. E é assim que é. Mesmo bem acima da média do que tem por aí, a quarta temporada foi injustamente menosprezada pela crítica. Mas, certamente inferior às anteriores, não é ruim.

Os problemas parecem elementares. O primeiro é que há uma guinada no tom e a temporada é mais sombria que o de costume, tanto com os vilões quanto para o estado em que os heróis se encontram. Ainda há o humor costumeiro, para satisfação de todos, mas agora a série contraria expectativas, adentrando territórios mais soturnos. Outro ponto destoante advém da introdução de um novo, digamos, elemento, quando entra em cena fatores quase paranormais, nesta narrativa outrora racional. E, pior, este elemento além de pouco contribuir para a mitologia da série, também traz um desnecessário acréscimo ao passado de Holmes.


Mas, a temporada tira proveito de Benedict Cumberbatch, explorando o lado emotivo de Sherlock, e continua com oportunidades interessantes para o bom trabalho de Martin Freeman como Dr. Watson. O co-criador da série, Mark Gatiss, encontra mais espaço para seu Mycroft ao mesmo tempo em que, junto com o outro criador - Steven Moffat, demonstra claros sinais de arrependimento por ter se desfeito precocemente de Moriarty e do talento de seu intérprete, Andrew Scott.

Se não fosse por um acontecimento impactante, o primeiro episódio seria esquecível. O segundo chega a ser um dos melhores de toda a série, trazendo momentos tensos e dando ao público as habituais 'sherlockices', além de cenas inventivas com as graciosas deduções do detetive. Seu desfecho é com um gancho empolgante para o episódio derradeiro da temporada (ou da série?). Porém, o terceiro escorrega em inconsistências lógicas e entrega um produto que faz pouco sentido.

Seus últimos segundos, todavia, conseguem reacender a chama dos fãs e aguçam a vontade por mais temporadas. De repente, sem o compromisso em nutrir uma história a longo prazo, os produtores conseguem retomar as rédeas e voltar à suposta proposta original: episódios fechados, como um telefilme cada, centrados em Holmes e Watson solucionando casos.


Sherlock (4a. temporada), 2017

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Saindo do coma dos romances


Raramente comédias românticas fogem do seu padrão. Doentes de Amor, produção independente sensação no Festival de Sundance este ano, provê um destes raros momentos.

Centrado no relacionamento entre um comediante paquistanês e uma americana branca, o filme poderia muito bem embarcar numa jornada de esteriótipos e de piadas fáceis. Porém, prefere contar uma história mais humana, com personagens reais, cheios de defeitos, mas sempre buscando o melhor para balancear suas vontades em meio a amarras religiosas, familiares, sociais e culturais.


O roteiro, que se não for indicado ao Oscar será uma injustiça sem tamanho, não só entrega diálogos primorosos, mas também faz um ótimo trabalho em não tomar partido e criar base para empatia a praticamente todos os pontos de vistas.

A perfeita química entre o casal principal dá o tom mas, mais uma vez subvertendo o gênero, o longa acha espaço adequado para o relacionamento do protagonista com sua família e, principalmente, com os pais da moça. Estes, vividos por Ray Romano e Holly Hunter, brilham e praticamente assumem o foco central em boa parte da trama.

Quem assistir ao filme totalmente sem referências ainda terá uma grata surpresa no começo dos créditos finais, com uma revelação (não escondida no material publicitário) que dá um charme a mais à produção.

Doentes de Amor mostra que comédias românticas conseguem quebrar a estrutura básica de 'paixão inicial - fator complicador - reconciliação' e ainda dizer algo significativo sobre realidades contemporâneas. Também evidencia que Hollywood só ganha ao sair da banalidade, abrindo mais espaço para mulheres e 'homens não-brancos' na frente e atrás das câmeras.


Doentes de Amor (The Big Sick), 2017




quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Macacos me mordam!


Talvez seja difícil de entender a fixação de Hollywood com a franquia Planeta dos Macacos. O filme original de 1968 rendeu quatro continuações, além de série de TV, mesmo tendo um dos finais mais deprimentes da história do cinema. Uma reviravolta genial, mas muito "pra baixo" pra despertar o clamor por mais. Depois, em 2001, Tim Burton resolveu fazer uma refilmagem, que ficou marcada por ter um dos finais mais ridículos da história do cinema. Uma reviravolta inesperada, mas totalmente sem sentido. Imaginava-se que a trajetória dos macacos nas telonas havia chegado ao fim.

Mas, como um vírus resiliente, a saga símia ressurgiu em 2011 num formato sempre visto com maus olhos: um reboot ~ prequel. No entanto, Planeta dos Macacos: A Origem surpreendeu, provando-se um bom filme. Não tardou para os estúdios darem luz verde para uma continuação. Em 2014, Planeta dos Macacos: O Confronto foi outra grata surpresa, sendo superior ao seu antecessor em praticamente todos os quesitos. Mesmo tendo bastante ação, principalmente da metade pra frente, o filme era um blockbuster incomum, com muitos momentos de silêncio, sem uma estrela chamativa no elenco e bastante focado no desenvolvimento do personagem principal, Caesar - o macaco.


Num sistema tão preso a fórmulas de sucesso, este ano foi milagrosamente lançado mais um capítulo desta nova trilogia. Intitulado Planeta dos Macacos: A Guerra, o filme desafia seu próprio título e sua campanha publicitária, e se nega a se enquadrar no padrão de produções de guerra, preferindo ser também uma história contida, centrada em Caesar. Para o bem, e pela coerência, da trilogia.

O diretor de O Confronto, Matt Reeves, retorna com a mesma energia e cria um arsenal de cenas tensas e de momentos tocantes. Também retorna o compositor Michael Giacchino, agora com uma trilha sonora épica - provavelmente o melhor trabalho de sua consistente carreira. Responsáveis por transparecer o realismo necessário para sustentar as produções, mais uma vez o show é dos efeitos especiais e das atuações por captura de movimentos, sobretudo a divertida adição de Steve Zahn como Macaco Mau e a de Andy Serkis como Caesar - digna de Oscar.

Assim como todas as outras incursões neste universo, o filme é carregado de alegorias sociais e políticas, algumas sutis, outras nem tanto (como o líder polêmico, cercado de extremistas, que quer construir um muro gigante). Aliás, em torno do vilão vivido por Woody Harrelson se dá um dos dois pontos fracos do filme: em determinada cena (até bacana, por sinal) ele para por uns 5 minutos e, através de um diálogo desnecessariamente expositivo, tem que explicar para o público o que está acontecendo ali. Sem entrar em spoilers, basta dizer que o outro ponto fraco está ligado a pequenos acasos convenientes para o roteiro que ocorrem no terceiro ato, como a intervenção da mãe natureza no clímax da história. Bom, de repente era apenas mais uma alegoria nada sutil.

A Guerra é, no fim das contas, um exemplo de como se fechar (será?) com chave de ouro uma jornada que se deu o tempo necessário para evoluir, sem correria, sem incoerência.


Planeta dos Macacos: A Guerra (War for the Planet of the Apes), 2017




quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Spielberg: de onde veio, para aonde vai?


Notícia: A premiada documentarista Susan Lacy vai fazer um filme sobre Steven Spielberg. Além de entrevistas exclusivas com tipos como Martin Scorsese, George Lucas, Francis Ford Coppola, Robert Zemeckis, Kathleen Kennedy, JJ Abrams, John Williams, Tom Hanks, Harrison Ford, Tom Cruise, Daniel Day Lewis, Leonardo DiCaprio, entre vários outros, ela também registrou mais de 30 horas com o próprio Spielberg.

Reação: Uau. Isso vai ser espetacular.

Sequência da notícia: É uma produção da HBO.

Sequência da reação: Uh-oh. Ou vai tratar de destrinchar a sanguinolenta batalha inicial de O Resgate do Soldado Ryan e explorar as cenas de nudez e sexo de Munique, ou então vai desvendar alguma obscuridade pessoal terrível do cineasta.

Naturalmente, o documentário intitulado simplesmente Spielberg, que já está na grade do canal da TV fechada e também na sua plataforma HBO GO, não é nada disso. Trata-se de uma celebração da carreira do mais prolífico e influente cineasta de todos os tempos, ao mesmo tempo em que expõe algumas de suas falhas e surpreendentemente adentra um pouco de sua intimidade.


Para quem já é fã e acompanha com detalhe a carreira de Spielberg, há pouquíssima novidade. Mas, mesmo assim é obrigatório e imperdível. E quem é leigo ou pouco ligado, estará muito bem servido. Antes, porém, um aviso: há spoilers (no caso, cenas finais de filmes sendo exibidas sem cerimônia) das principais obras do diretor, como Encurralado, Tubarão, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, E.T. - O Extraterrestre, Império do Sol, A Lista de Schindler, Guerra dos Mundos, Munique... E esses são filmes que merecem ser vistos antes deste documentário.

O formato da produção é extremamente básico, mas aqui vale muito mais o conteúdo, embora alguns filmes sejam completamente ignorados (O Mundo Perdido, Além da Eternidade, O Terminal) e outros quase (Hook: A Volta do Capitão Gancho, As Aventuras de Tintim). Há pouco espaço também para os rumores polêmicos que sempre circundaram Hollywood sobre as supostas atribulações nos bastidores de Poltergeist - O Fenômeno e do próprio Hook.

Apesar de já ter uma duração maior, quase duas horas e meia, fica nítido que muito mais poderia ser mostrado. As façanhas e os sucessos como produtor, por exemplo, são ligeiramente pincelados em poucos segundos, com a aparição de vários cartazes dos filmes e séries que tiveram seu toque de midas. Mas, um filme com boa história e personagens cativantes é assim: mal termina e fica o gostinho de quero mais.

Quem sabe Susan não lança 'Spielberg 2' ou 'Spielberg: The Mega Extended Edition'? Afinal, aquele monte de celebridade não conversou com ela só por poucos minutos e ainda deve ter muita coisa valiosa nas 30h que passou com o cara.


Spielberg (HBO), 2017




sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Androides: de onde vêm, para aonde vão?


Eu assisti à versão original de Blade Runner – O Caçador de Androides (a mesma que foi para o cinema em 1982) em VHS lá pelo fim da década de 1980. Nos meados anos 1990, tive a oportunidade de ver a de 1992, subtitulada  ‘Versão do Diretor’e sem a narração, o “final feliz” e com algumas inserções (como a  ambígua e desnecessária insinuação de que Rick Deckard pudesse ser um replicante). Por fim, para me preparar para Blade Runner 2049, semanas atrás vi a ‘Versão Final’, de 2007– o que se mostrou uma decisão acertada, já que, apesar de ter sido vendido como uma história quase que independente, o novo filme é na verdade uma continuação que recorre a muitos detalhes do primeiro.

Blade Runner 2049 é um filme que não deve em nada ao seu antecessor e, em alguns aspectos, é até melhor.


Dito isso, um pouco de polêmica. Estar à altura já é de fato um elogio, haja visto o merecido status de cult que o filme de Ridley Scott conquistou ao longo dos anos, após fracassar nas bilheterias. Não há como negar as qualidades técnicas, a criatividade e a singularidade por trás da produção original. Porém, se analisado friamente, trata-se de um enredo muito simples e básico. Claro que todos acabam se lembrando do icônico e belo monólogo das “lágrimas na chuva” que o replicante Roy Batty entrega ao final da sua jornada, mas é um momento que, francamente, o personagem e o filme não fizeram por merecer. O Roy de Hutger Hauer não dá nenhum indício daquele comportamento ao longo da projeção e, momentos antes, está perseguindo Deckard como se fosse um predador irracional, literalmente uivando. A mudança para um cara introspectivo e filosófico vem “do nada” (pra melhor, claro), tentando dar ao filme um tom mais intelectual aos temas que já vinham sendo explorados minimamente: origem da vida, longevidade, morte.

Mesmo sem uma cena tão marcante quanto à de Roy e Deckard no telhado, 2049 acerta em manter o ritmo, o visual e o tom daquele universo. E não só perpetua o debate existencialista, mas também o expande ao acrescentar algumas novidades que acabam sendo a força-motriz deste novo enredo. Evitarei spoilers, mas fica o aviso que a principal novidade vai demandar um pouco de suspensão de descrença por parte do espectador. Outras comentarei: talvez até para manter a dúvida sobre a origem de Deckard (que quase é esclarecida aqui, só para numa frase seguinte ser desconstruída de novo), agora aprendemos que alguns replicantes não só viveram mais do que estavam programados, como também envelheceram. Aquela polarização que existia (replicantes são perfeitos e humanos não) que refletia até nos animais (pragas urbanas, como pombos, eram reais e animais exóticos eram fabricados), perde-se aqui. Há replicantes que possuem deficiências físicas, imperfeições metafóricas que os tornam mais humanos. Pra pior, se os porcos de George Orwell forem parâmetro.

A esperada (e essencial) aparição de Harrison Ford acontece tardiamente, só lá para depois de uma hora e meia de filme. Mas, sem prejuízo, pois as “adições” ao elenco vão se sustentando muito bem até lá. A própria participação de Edward James Olmos, em uma curta reprise de seu papel original, é gratuita e não acrescenta nada (a não ser nostalgia). Mas, o grande astro é mesmo o diretor Denis Villeneuve que, depois de entregar o melhor filme do ano passado, aproveita da experiência do diretor de fotografia Roger Deakins para provar que está afiadíssimo no seu jogo. Ele apenas escorrega ao acrescentar irritantes recursos que são mais típicos de novela da Globo: voice-overs com diálogos que aconteceram minutos antes e flashbacks de cenas que ainda estavam frescas na cabeça do espectador. De repente daqui uns cinco anos eles são retirados em uma ‘Versão do Editor’.

Uma ficção-científica moderna com estilo clássico, é pouco provável que 2049 atinja a mesma relevância cultural que O Caçador de Androides. Mas, por comparação, merecia.


Blade Runner 2049 (Blade Runner 2049)

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Ninjastay or Ninjago


Apesar das horas e horas de consumo de Lego Ninjago por meu filho na Netflix, nunca sentei para assistir a um episódio completo. Tenho uma vaga noção dos personagens e do enredo da série, mas nem de longe tenho propriedade para criticá-la ou para compará-la à sua versão para o cinema.

Algumas coisas são óbvias: pelo estilo da animação já dá para perceber que o investimento na migração para a tela a grande foi bem maior do que os dos episódios da telinha. Na versão original em inglês, ainda foram dedicados uns dólares a mais para trazer atores mais famosos (como Jackie Chan e Dave Franco) para dar voz aos heróis. O que na versão dublada não faz diferença nenhuma.


Sem procurar estabelecer uma história de origem, o filme faz uma rápida apresentação mascarada em uma chamada do noticiário local e logo joga os personagens na ação que estão habituados. Pode até ser uma boa pedida para os fãs já estabelecidos, mas pra quem queria um pouquinho de pano de fundo o roteiro é uma decepção. Pra quem queria um arco para os protagonistas, também. Basicamente há apenas o desenvolvimento do ninja verde Lloyd e do vilão Garmadon, enquanto os outros ninjas são quase sub-coadjuvantes (irônico que na abertura a única ninja mulher exalte algo sobre empoderamento feminino, mas que no final saia sem ter feito nada memorável e que seja até difícil lembrar seu nome).

Agora, quem queria humor e ação não sairá desapontado. A não ser que pare para comparar com os ótimos predecessores do mundo dos bloquinhos - Uma aventura Lego e Lego Batman: O Filme (lançado neste mesmo ano). Ninjago tenta repetir a mesma dose de quase insanidade, da criação dos detalhes, da meta-paródia, mas sem exatamente atingir o mesmo nível. Fica parecendo que a fórmula de sucesso aplicada nos anteriores não era adequada para este material.

Mas, estas podem apenas ser palavras duras de um velhote ranzinza que claramente não faz parte do público-alvo da produção.


Lego Ninjago: O Filme (The LEGO Ninjago Movie), 2017