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domingo, 24 de abril de 2016

Sobre coelhos e raposas


Por um bom tempo, a Disney, como uma raposa velha, se dedicou a usar seu truque infalível - adaptar contos de fadas com animações. Seu maior sucesso recente, Frozen: Uma Aventura Congelante, também é assim, uma livre releitura de A Rainha do Gelo, de Hans Christian Andersen. Mas, eis que na selva de Hollywood surge um coelhinho fofinho e genial, cheio de ideias novas e originais, e começa a fazer sucesso com seus cenários "e se?". E se os brinquedos ganhassem vida quando as crianças não estivessem por perto? E se os monstros tivessem medo das crianças e precisassem dos seus sustos para sobreviver? E se...? Demorou um pouco, mas parece que a Disney Animation resolveu tentar beber da mesma fonte que sua prima Pixar.

Sem se desanimar com a recepção morna do "e se os personagens de videogames vivessem numa sociedade similar à das pessoas?", de Detona Ralph, os estúdios do Mickey lançaram Zootopia , um "e se os animais (ok, mamíferos basicamente) vivessem numa sociedade similar à das pessoas?". Mas, mais que pegar a "fórmula" da Pixar, a Disney também aprendeu algumas outras importantes lições com sua agora subsidiária.


Pra começar, a qualidade técnica da animação é de encher os olhos. Dos detalhes de cada personagem ao cuidado com todos os cenários, tudo impressiona nesta produção. A dinâmica da cidade, que comporta animais dos mais diversos habitats e estaturas, é curiosa e cativante por si só. A rápida sequência em que Judy Hopps e a plateia são apresentados a Zootopia poderia se prolongar por mais alguns minutos sem prejuízo algum ao ritmo da história. Mas, felizmente, os roteiristas encontram jeitos ainda melhores de continuar a apresentar novas facetas da cidade, de forma orgânica e divertida no decorrer da narrativa.

Aliás, a grande quantidade de profissionais envolvidos na criação do roteiro (sete ao todo), que usualmente é péssimo sinal (indícios de um desenvolvimento problemático), aqui nada mais é que outro sintoma da boa influência da Pixar: foram usados o tempo e recursos necessários para amadurecimento da história e dos personagens, sem apressar a produção para simplesmente se ter mais um produto dentro de determinada janela de exibição.

A jornada no filme inicia-se apontando para mais um típico "não desista dos seus sonhos", e assim também termina, com um discurso desnecessário e tolinho. Mas, ao menos Zootopia mostra que os sonhos são alcançados com esforço e trabalho duro e não com magia ou predestinação. Apesar de ser abertamente infantil, seus temas são bem corajosos, centrados principalmente em preconceito e discriminação, além de bullying, na escola, em agremiações ou no trabalho. O clima noir e as inúmeras piadinhas sutis são um charme à parte para entreter também os pais (o que dizer, por exemplo, da ovelha vestida com macacão laranja e máscara de gás num laboratório químico, no qual produz substâncias azuis enquanto espera seus parceiros 'Walter' e 'Jesse'?)

Zootopia é um sinal saudável dos tempos atuais da animação. Uma comprovação de que raposas podem aprender com coelhos, sem deixar suas qualidades de lado. E, mais importante, uma prova de que podem conviver pacificamente. Até a época da disputa pelo Oscar de Animação, pelo menos.


Zootopia - Essa Cidade é o Bicho (Zootopia), 2016




sábado, 16 de abril de 2016

Rua da amargura


Quem não gostou de Cloverfield: Monstro, o terror/ ficção científica em primeira pessoa que foi sucesso em 2008, pode ter desprezado o anúncio, apenas dois meses antes do seu lançamento, de que haveria um filme, também produzido por J.J. Abrams, intitulado Rua 10, Cloverfield. A grata surpresa, porém, foi seu primeiro trailer, que deixou claro que esta produção não era exatamente uma sequência da anterior e que, principalmente, não usava a mesma técnica de "filmagens encontradas", que causa mais náusea que tensão.

Rua 10, Cloverfield acaba sendo para quem não gostou de Cloverfield: Monstro, para quem gostou de Cloverfield: Monstro e para quem não assistiu a Cloverfield: Monstro. Mas, sobretudo, Rua 10, Cloverfield é para quem não sabe nada sobre o filme. Parte da magia é o espectador abraçar o desconhecido, assim segurando a mão da protagonista. (vale um alerta que os excelentes primeiros cartazes e trailer americanos foram sucedidos por péssimos e reveladores materiais da divulgação 'internacional')

Abrindo com um quê de Psicose (uma donzela em fuga, aparentemente mal planejada e certamente rumo a um destino pior que o atual) o longa também remete ao início de O Iluminado, com tomadas aéreas do veículo da personagem principal ao som de uma enervante (e brilhante) trilha sonora. Se isto tudo já não fosse suficiente para criar o clima correto, a forma como o letreiro inicial se apresenta beira o genial e consolida bem em que tipo de filme que o espectador está se aventurando.

O que não significa seja possível saber exatamente o que esperar. De uma forma muito hitchcockiana, o diretor estreante Dan Trachtenberg se aproveita de um roteiro inteligente e bem amarrado para criar uma tensão psicológica intimista, usando eficientemente o espaço confinado da maior parte da história sem cair na mesmice ou no repetitivo. Em um estado latente de terror, o público é continuamente apresentado a novos fatos e facetas e é levado constantemente a mudar de opinião sobre a trama que está desenrolando.


As atuações deste reduzido elenco são afiadíssimas, com personagens que não desandam pro erro comum de filmes de suspense, mas agem com humanidade e reagem de forma realista, e não somente porque o roteiro pede por algo que é necessário para criar a próxima cena. Mary Elizabeth Winstead dá todas as dimensões para Michelle ser identificável e querida pelo público, permitindo que este não só a conheça gradativamente, mas também conheça gradativamente tudo o mais junto com ela. E John Goodman dá um show, deixando seu Howard crível, num papel que poderia facilmente descambar pro caricato. Suas nuances e ambiguidades são a fonte de grande parte da tensão do filme e fica difícil definir se trata-se de um louco paranoico, um bem-intencionado mal-interpretado ou um mentiroso psicopata.

- Atenção: SPOILERS nos próximos parágrafos!

Provavelmente um pouco de cada.

Paranoia é o assunto mais óbvio da produção, mas os principais temas são abuso doméstico e cárcere privado, como nesses tristes casos que aparecem nos noticiários internacionais. De uma certa forma, é uma espécie de mistura de O Abrigo, O Quarto de Jack e... Guerra dos Mundos. Sim, o filme passa por uma aparente (e normalmente perigosa) abrupta mudança de gênero no seu ato final. Esta guinada, além de ser um prato cheio para os fãs de ficção científica, não deveria ser exatamente inesperada, levando em conta a expectativa que a inclusão do 'Cloverfield' no título da produção gera. Mas, mais do que isso, ela casa como metáfora para estes temas principais e serve perfeitamente para encerramento do arco da protagonista.

Assim como bem explorado em O Quarto de Jack (spoiler!), a nova vida fora do cárcere após um período de abuso não é nada fácil. No início até muito mais complicada que aquela deixada para trás. Muito tem que ser entendido, superado e readaptado - a vida antes da traumática experiência já não existe mais.

E a invasão alienígena possibilita o fechamento do arco de Michelle. A moça que foi apresentada fugindo e passou o filme inteiro tentando fugir, do abrigo e depois das ameaças na fazenda, nas cenas finais se vê no dilema de continuar fugindo ou de poder, por escolha própria, partir para um confronto. Sua decisão faz o espectador deixar o cinema com um sorriso no rosto, não somente por ter testemunhado a evolução da personagem, mas também porque ela propicia o encerramento da projeção com belíssimas imagens.

Que JJ Abrams continue descobrindo novas histórias para contar neste universo de Cloverfield e que Dan Trachtenberg consiga manter este alto nível em sua carreira.


Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane), 2016




quinta-feira, 14 de abril de 2016

Hollywood segundo os Coen


Os filmes de Ethan e Joel Coen são difíceis de agradar. Donos de um humor muito peculiar, e com uma tendência de criar situações inusitadas para personagens excêntricos que baseiam suas decisões e atitudes em uma lógica insólita, suas histórias são carregadas de inverossimilhança. Na maioria das vezes é difícil para o espectador ter empatia e criar conexões afetivas com o que é apresentado em tela.

Não é de se estranhar que, embora todos estes elementos típicos estejam presentes no seu filme mais recente, Ave, César! apresenta-se como uma das obras mais acessíveis da dupla de diretores/ roteiristas, possivelmente perdendo apenas para o roteiro de Ponte dos Espiões e para a refilmagem Bravura Indômita. Ajuda bastante o fato de abrirem mão do humor negro (talvez este seja o único filme dos irmãos sem uma morte sequer), das referências sexuais grosseiras (essa é pra você, Queime Depois de Ler) e da imersão exacerbada no politicamente incorreto (a religião, por exemplo, não passa sem ironia e alfinetadas, mas é tratada no contexto com inteligência e considerável respeito).

Mas, o que realmente cativa são outros aspectos.


Para começar, os Coen conseguem criar um protagonista relacionável. O longa acerta em estabelecer qual o seu papel naquele mundo, e a importância dele - ou pelo menos a importância que o próprio personagem dá a ele. Assim, seu conflito principal, sua relação com o trabalho que tanto gosta e sabe muito bem fazer e a possibilidade de mudar para um emprego mais estável,"seguro" e que o daria mais tempo com a família, é algo universal, de fácil assimilação. É estabelecido um arco palpável para o personagem principal.

Importante também é quão perto da realidade estão desta vez. Eddie Mannix realmente existiu, um gerente da MGM conhecido como "arranjador", pessoa que cuidava dos interesses do estúdio acerca de sua imagem (e da imagem de seus atores e funcionários) perante a opinião pública. E se os outros personagens são inventados, é fácil perceber que são inspirados em figuras carimbadas como Kirk Douglas, Charlton Heston, Gene Kelly, Esther Williams, Carmen Miranda e Vincente Minelli, só para citar alguns. Mesmo quando estas correlações não são identificáveis por nome, os tipos são bem reconhecíveis, como as colunistas de fofocas sobre celebridades ou os roteiristas da ameaça vermelha em Hollywood. Inclusive o próprio 'filme dentro do filme' remete a Cleópatra, Quo Vadis, Spartacus e, escancaradamente, Ben Hur.

Aliás, este pano de fundo não poderia ser mais atrativo para quem gosta de cinema. Ambientado na Hollywood dos anos 1950 e centrado nos bastidores de um estúdio fictício, o longa não é só repleto de referências a filmes, personalidades e situações de bastidores, como também não deixa de ser uma grande homenagem à era de ouro do cinema americano. Da fotografia do excelente Roger Deakins até a caracterização dos atores, passando por trilha sonora, cenografia e figurino, a produção tem o cuidado de emular também um filme da época. Tudo cheira a épicos, faroestes e musicais. Há espaço até para uma curta e divertida homenagem ao western spaghetti, de forma literal, e uma impagável sequência de dança, que é ao mesmo tempo atual (funciona perfeitamente bem nesta comédia de 2016) e nostálgica (parece ter sido cirurgicamente extraída de um musical de 1952).

Ave, Cesár! pode muito bem ser mais um filme dos irmãos Coen de pouco apelo para o grande público. Mas, não para quem é fã da sétima arte. Não há tempo para reclamar de coisas como "por que ele fala isso?", "por que ele age assim?" ou até mesmo "por que ele se move assim?" quando se está respirando cinema tão intensamente.


Ave, César! (Hail, Caesar!), 2016



quarta-feira, 13 de abril de 2016

Um gigante a menos


Já citei o Los Angeles Lakers nesse blog umas duas ou três vezes... E hoje vale mais uma postagem.

Hoje não é dia de ir ao cinema ou ver filmes. Não, hoje é dia de ligar a ESPN para ver, pela última vez, esse cara aqui:


domingo, 3 de abril de 2016

Domingão


Programa da noite deste domingo:

A Música do Cinema Segundo a Cia. Filarmônica

Recomendo fortemente. Fique de olho na agenda da sua cidade.

sábado, 2 de abril de 2016

Somente Para Seus Olhos


Todo mundo evita retrabalho. E geralmente ele só é necessário se o resultado original não foi satisfatório. Não faz sentido refazer algo que já ficou muito bom da primeira vez. A não ser que imagina-se que a nova versão vá dar mais resultado financeiro. Pelo menos pelo raciocínio hollywoodiano.

Não foi com bons olhos que foi vista a notícia de que o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, O Segredo dos Seus Olhos, ganharia uma refilmagem americana.  Do roteiro à direção, da fotografia à maquiagem, da atuação à edição, tudo aparenta impecável, beirando à perfeição, neste fabuloso e intrigante filme argentino. Um novo olhar sobre aquela história parecia totalmente desnecessário.

Porém, os americanos deram luz verde para Olhos da Justiça. Reuniram um elenco estelar, com Julia Roberts, Nicole Kidman, Chiwetel Ejiofor, Alfred Molina, Dean Norris e Richard Kelly, para ficar na linha de fogo das inevitáveis comparações com as atuações de Soledad Villamil, Guillermo Francella, Pablo Rago e do sempre excelente Ricardo Dárin. E se este último foi o destaque no filme argentino, quem rouba a cena no americano é Julia Roberts, numa atuação memorável, digna de prêmios, com uma caracterização corajosa e crua. De toda forma, o personagem central continua sendo o de Ejiofor, que apesar de demonstrar talento, falha cruelmente (com "ajuda", claro, de Nicole Kidman) em estabelecer a emoção e o conflito necessários na relação com a ex-chefe. Falta química. E um pouco de segredo nos olhos.


E se os temas na versão original são tratados com delicadeza e até poesia, nesta refilmagem são martelados durante toda a projeção, seja com diálogos expositivos ou com closes e enquadramentos óbvios. Há também descuido com detalhes técnicos importantes para história, especialmente com o (tão admirável na versão latina) trabalho de maquiagem, que decepciona, variando entre o esquecível e o risivelmente exagerado.

De transportar o pano de fundo da ditadura argentina para a ameaça terrorista pós 11 de setembro, a transformar uma carta em uma história em quadrinhos, o longa americano realiza uma série de adaptações para trazer a história para uma realidade mais acessível para seu público alvo. Praticamente todas funcionam até muito bem, inclusive a (necessária) troca do futebol por beisebol. O problema que surge não é na mera substituição do esporte, mas no fato do filme argentino já ter criado uma icônica cena de tirar o fôlego num estádio de futebol, que quando revisitada no americano em um estádio de beisebol, torna-se apenas mais uma sequência de perseguição padrão.

Inclusive, é difícil afirmar isto mas, embora esta refilmagem possa parecer "mais do mesmo" (ou, no caso, "menos do mesmo"), é bem provável que se mostre um thriller dramático acima da média para quem não assistiu ao original, já que conta com cenas tensas e eficientes, enquanto mantém, sem invencionices, os elementos-chaves que encantam e surpreendem no longa de Juan José Campanella.

Se a intenção era meramente conquistar dólares americanos, a missão dá uma falsa impressão ter sido cumprida, já que Olhos da Justiça arrecadou nos EUA US$20 milhões, contra US$6 milhões de O Segredo dos Seus Olhos. Todavia, olhando a bilheteria no "resto" do mundo, o americano acrescenta meros US$12 milhões ao seu caixa, enquanto o argentino adiciona sólidos US$27 milhões, terminando ambos com pouco mais de US$30 milhões no total. A grande diferença é quando os custos entram na conta. Com orçamento de US$19,5 milhões, a nova versão é um retumbante fracasso, enquanto o de 2009, orçado em torno de US$2 milhões, foi um sucesso indiscutível.

Abra os olhos: a não ser que a) seja um nativo de língua inglesa e tenha restrição em acompanhar legendas; b) seja fã incondicional de Julia Roberts ou c) tenha menos de 17 anos; assista ao essencial O Segredo dos Seus Olhos. Olhos da Justiça não é ruim, mas pode ser dispensado.


Olhos da Justiça (Secret in Their Eyes), 2015




O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos), 2009