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quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Hollywood segundo Tarantino


Atenção - este texto contém SPOILER!

Qualidades que ninguém (nem eu, “anti-fã” confesso do cara) pode negar em Quentin Tarantino são seu vasto conhecimento de, e sua paixão ardente por, cinema. E Era Uma Vez... em Hollywood é sua obra em que estas marcas estão mais transparecendo e são mais bem aproveitadas. Sem dúvida, uma carta de amor (amor verdadeiro, com as partes amargas inclusive) para uma era rica do cinema e que tem como destinatário qualquer entusiasta da sétima arte.

Porém, é fácil enxergar como que este pode ser um filme com pouco alcance. O roteiro não faz esforço algum para estabelecer um “quem era quem” dentre os ‘personagens reais’ e nem para situar o público. Mesmo os personagens fictícios têm pouca construção, sendo boa parte do filme um simples convite para umas voltas por um pedaço da história da cultural mundial (com caracterização e ambientação muito bem feitos) acompanhando dois caras carismáticos (e com os conhecidos e talentosos DiCaprio e Pitt na tela fica fácil ser preguiçoso no papel).


Nas duas primeiras horas de projeção, as Tarantinices estão quase todas lá, exceto pela violência gráfica com viés cômico (é um humor de gosto específico, ou de mau gosto como muitos apontariam, mas é o que é). Fica um incômodo porque a expectativa da chegada da sanguinolência inevitável fica conectada ao suspense cultivado pela subtrama que envolve Sharon Tate e os seguidores de Charles Manson. Mas, aqui também Tarantino é displicente e depende fortemente que o público tenha conhecimento prévio de fatos verídicos. Se fosse uma narrativa 100% fictícia, seria imperdoável a forma como o clímax é tirado da manga com tão pouca motivação ou preparação. Os próprios “vilões da história” são pintados meramente como uns hippies bobões que atendem às ordens de um Charlie qualquer.

Embora eu tenha genuinamente gostado de quase todo o (longo) filme e sua visão sobre os bastidores de Hollywood, o desfecho me deixa com sentimentos ambíguos. Consigo entender que Tarantino usa sua fábula (“Era uma vez” de novo) para dar aos Mason o que eles mereciam pelas atrocidades cometidas contra Tate e seus amigos naquela noite macabra (e dar a Sharon a oportunidade de seguir com sua carreira e sua vida). Mas, ao mesmo tempo, ele repete exatamente o que eu não gostei em Bastardos Inglórios (simplesmente defenestrar a História) e em Oito Odiados (não conseguir concluir um filme sem marcar ‘banho de sangue’ no seu checklist de marcas registradas). Não consigo imaginar como podem se sentir as pessoas próximas das vítimas com a conclusão escolhida (então se um dos amigos de Polanski fosse um fodão com um cachorro treinado teria sido tudo tranquilo?). É simplista demais e não traz conforto algum. Mas, Tarantino nunca está preocupado com os outros. A catarse do seu filme é só para si próprio.

PS.: para uma homenagem à Hollywood dos anos 50, mais honesta e menos pretensiosa, mas não com menos visão, estilo próprio e humor peculiar, recomendo Ave César!


Era Uma Vez... em Hollywood (Once Upon a Time... in Hollywood), 2019




sábado, 23 de novembro de 2019

Livro - Sessão de Gestão


Reflexões galácticas sobre gestão em Star Wars? Lições ocultas de empreendedorismo em Caça-Fantasmas? Dicas atemporais de gerenciamento em De Volta Para o Futuro? Ensinamentos mágicos sobre administração em Harry Potter?

É buscando por indícios de vida corporativa na sétima arte que esta compilação de textos curtos e, na medida do possível, descontraídos reforça conceitos do dia-a-dia de projetos, à luz do imaginário das telonas.

Mescla de algumas publicações que realizei de 2015 a 2017 no portal PMKB com outros textos ainda inéditos, o livro se define como qualquer coisa entre 'gestão de projetos para leigos que gostam de cinema' e 'cinema para leigos que gostam de gestão de projetos'.



Onde comprar:



quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Monstros: os de dentro, os de fora e os literais



Até pouco antes do ato final de seu primeiro episódio, Years and Years parece uma ser um drama familiar comum, com uma boa produção e atuações de primeira. Mas, a partir daí eventos de proporções globais começam a afetar o cotidiano dos protagonistas, que passam a enfrentar seus próprios demônios em um mundo cada vez mais insano. Sem exageros ou avanços futurísticos impalpáveis, a (mini)série navega por temas tão próximos  e atuais, que fica difícil de rotulá-la como distópica.

Years and Years (1 temporada), 2019






Só de assistir a primeira temporada de Fleabag, talvez não seja possível entender tamanha comoção pela série escrita e estrelada por Phoebe Waller-Bridge. Mas, nos quase três anos que separaram a primeira da segunda, parece que a britânica aprendeu a podar o que não funcionou tão bem e amplificou na medida certo o que deu certo e voltou com a nova temporada beirando a genialidade. A quebra da quarta parede é um chame à parte e escancara a qualidade de Phoebe como atriz, em meio a um elenco todo excelente. Não bastasse isso, seu talento como roteirista é consagrado com diálogos afiados e arcos emocionalmente satisfatórios e honestos para seus personagens. Todos aqueles prêmios, amigos? Merecidíssimos.

Fleabag (2 temporadas), 2016-2019






Para não ficar de fora da onda de "todo mundo agora faz sua própria série de streaming",  o IMDB deixou sua contribuição com You´re Not a Monster. Contando com dez episódios com menos de 5 minutos de duração cada, a primeira temporada desta série de animação acompanha um psicólogo de monstros. Como ele mesmo deixa claro ao dispensar Dr. Hannibal Lecter - ele só cuida de monstros de verdade, não dos metafóricos. Zumbi, Múmia, Homem Invisível, Medusa e vários outros surgem sob trocadilhos e sacadas interessantes, mas no geral a ideia original é bem melhor que o resultado final.

You´re Not a Monster (1a. temporada), 2019




domingo, 17 de novembro de 2019

Expresso do oriente



Tão divertida quanto melancólica, The Farewell é uma pequena obra-prima que se despe de clichés para tratar choque cultural de forma respeitosa e delicada, criando empatia suficiente para que o público não consiga demonizar nenhum ponto de vista. Através de um roteiro inteligente e sincero e um elenco inspirado somos convidados a (re)pensar a forma como enxergamos a nossa mortalidade, como lidamos com determinadas mentiras, como anda nosso relacionamento com os parentes distantes. Alguns detalhes de bastidores (que devem ser pesquisados somente depois do término do filme) são a cereja no topo do bolo desta preciosidade.

The Farewell (ainda sem título em português), 2019








Vencedor da Palma de Ouro em Cannes este ano, Parasita é um filme estiloso sobre desemprego e classes sociais que diz muito sobre a Coreia do Sul, mas que também consegue ser universal. Pessoalmente, gosto mais dos dois primeiros atos do longa, pois o clímax promove uma escalada de violência que destoa do que vinha sendo construído. Porém, isto não diminui a obra, pois os gatilhos não surgem sem motivação. Não é spoiler citar uma frase que está no cartaz do filme, embora surja tarde na projeção: "O melhor plano é nenhum plano". O personagem que diz isto está deixando bem claro seu objetivo: apenas sobreviver a esta vida. Mas, é quando os personagens deixam de apenas querer sobreviver (por impulso de orgulho, de senso de justiça, de desejo pessoal) que tomam decisões que fazem as coisas desandar. E acabam não sobrevivendo ou tendo que se contentar a voltar a tentar sobreviver. Uma fábula moderna e perturbadora bastante relevante para a sociedade atual.

Parasita (Gisaengchung), 2019




quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Eu sei o que você fez no mês das crianças



Toy Story 3 fechou de forma emocional e emocionante uma trilogia que beirou a perfeição. Era consenso que não havia necessidade alguma de um quarto filme. Mas, a Pixar foi lá e fez mesmo assim, provando que o mundo inteiro estava errado. A nova aventura de Woody & cia navega por temas adultos, ao criar metáforas para paternidade e discutir existencialismo, mas nunca abandona sua natureza infantil, nem deixa a bola cair no quesito diversão. Toy Story 4 fechou de forma emocional e emocionante uma quadrilogia que beirou a perfeição. É consenso que não há necessidade alguma de um quinto filme. Mas, se a Pixar for lá e fizer mesmo assim, não tenho dúvida que irá provar que o mundo inteiro está errado.

Toy Story 4 (idem), 2019






É triste constatar como que O Menino Que Queria Ser Rei passou batido nos cinemas e não encontrou seu público nem depois que ficou disponível para consumo nos lares. Essa aventura infanto-juvenil enraizada na fantasia, com humor bem dosado e o coração no lugar certo, teria facilmente me conquistado (e milhares como eu) nos anos 1980. A culpa não é do estilo do filme, nem do tema, mas dos pais de hoje em dia, que não querem enxergar nada além do horizonte dos super-heróis. Meu filho, 8 anos, se empolgou, mas sem colegas com quem comentar e reviver a experiência, produções como esta serão esquecidas e se tornarão ainda mais raras. Lamentavelmente.

O Menino que Queria Ser Rei (The Kid Who Would Be King), 2019






A Turma da Mônica dispensa apresentações. Abraçando com força esta noção, Turma da Mônica: Laços não perde tempo com contextualização nem com introdução dos seus personagens. Só funciona para quem já conhece bem a turminha. Ainda assim, o roteiro traz uma caracterização pobre, principalmente de Magali, que não tem nada para fazer além de pontuar seu apetite eterno, e de Cascão, que nunca esboça o espírito piadista que possui nos quadrinhos e animações. O longa perde a oportunidade de inserir referências legais (uma aparição da Turma do Penadinho "real" no final da cena no cemitério seria genial). A trama principal é fraca, com um desfecho cheio de pontas soltas. Mas, também, quem se importa? Crianças assistem pelas tlavessulas e coelhadas, adultos pelo saudosismo. A mensagem é bonitinha e tudo certo.

Turma da Mônica: Laços (idem), 2019