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quarta-feira, 22 de junho de 2016

Além do voo de vassoura


A Bruxa se tornou obrigatório para qualquer fã de terror após Stephen King ter declarado o medo que sentiu ao ver este filme "real, tenso, instigante e visceral". O Sr. King está corretíssimo em suas afirmações, mas se engana quem achar que esta produção segue os padrões e conceitos básicos do gênero para levar ao medo. Pelo contrário, o mérito do filme é não cair em clichês nem recorrer a sustos óbvios. Centrando em um intimista drama familiar, A Bruxa não é para agradar qualquer fã de terror.

Abrindo em uma pequena comunidade colonial nos Estados Unidos, o longa rapidamente passa a focar apenas num grupo restrito, mas não desinteressante, de personagens. Como a força motriz não é a história em si, mas a jornada emocional de uma família, a atuação é elemento-chave para o filme funcionar bem. Suportados por figurinos e maquiagens precisos, os atores fazem um excelente trabalho de sotaque, uso de vocabulário e maneirismos de época, trazendo o público para um crível mundo de 1630. Os desempenhos são realmente marcantes, tanto dos adultos, quanto das crianças, e a dinâmica de paranoia, de autodepreciação e de limitação de visão do mundo, mas também de amor, de apego às raízes e de vida em família, é expressada com toda contradição típica de uma sincera humanidade.


Mesmo não demorando para estabelecer que há elementos sobrenaturais na narrativa, o clima realista e o drama pessoal tomam conta da maior parte da projeção. O roteiro se desenvolve com constante tensão e amarra muito bem ações e conversas que surgem de forma orgânica e casual no primeiro ato, com desdobramentos e consequências impactantes no terceiro ato. Utilizando bem uma fotografia que se aproveita da luz natural, o filme consegue explorar os cenários - floresta e fazenda - para criar medo a partir de elementos cotidianos, dos quais não se pode fugir ou evitar. Tudo com ajuda, claro, de uma apavorante trilha sonora que não se parece com outras de praxe do gênero. Até mesmo uma típica risada de bruxa aqui soa atípica e dá mais calafrios que o esperado.

Se a inclusão do subtítulo "Um folclore da Nova Inglaterra" no original em inglês é um alento para deixar os espectadores menos impressionados, a afirmação no final de que seria baseado em "contos históricos e relatos sobre a bruxaria, incluindo diários e documentos judiciais da época" é de causar arrepios. Não pela hipótese da real existência de bruxas conforme ali proposto, mas pela constatação de que atitudes, diálogos e a maneira de pensar em geral, retratados nesta obra de ficção provavelmente ocorreram de forma muito similar no passado. E, pior: perceber que quase 400 anos depois ainda há extremismo religioso, repressão ao que é considerado fanatismo religioso, aversão ao desconhecido e repulsa ao diferente. Ainda há caça às bruxas.

Em seu arco, a personagem principal consegue se libertar de um paradigma que a consumia e a destruía aos poucos. No entanto, o final não é, nem de longe, feliz. Ela acaba abraçando um padrão bem mais fácil, mas proporcionalmente bem mais sombrio e penoso. Mas, mais triste ainda seria se, assim como na vida real, não houvesse elemento sobrenatural na equação desta transformação.

A Bruxa (The Witch ou The VVitch: A New-England Folktale), 2016

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