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terça-feira, 2 de julho de 2019

Com quantas mentiras se faz uma tragédia?


A esta altura, tudo o que precisava ser dito sobre Chernobyl, a usina nuclear soviética e sua tragédia em 1986, já foi brilhantemente dito pela minissérie homônima. E tudo o que precisava ser pontuado sobre a produção da HBO, já foi exaustivamente feito internet afora. Mas, nem por isso vou deixar de registrar uma coisinha ou outra.

Do ponto de vista técnico, Chernobyl é impecável. As recriações dos cenários, o trabalho de maquiagem, a direção, a fotografia mais crua e realista, as atuações... E todo este trabalho serve a um roteiro que sabe dosar com maestria o que foi de fato real com as liberdades narrativas para se adequar ao formato da história. As partes mais chocantes não são em nenhum momento gratuitas ou apelativas e são balanceadas na medida certa como exposição informativa e com respeito aos que sofreram direta ou indiretamente com o acidente nuclear. (acidente?)


Mais do que prover detalhes interessantes e inquietantes, muitas vezes tão minuciosos que passam despercebidos, a série também dá as devidas dimensões do potencial da catástrofe como um todo. A noção do poder devastador do mal invisível acredito que todos já tinham, mas muito do que poderia ter sido, e muito do que foi, certamente não veio à tona na época. E, como toda história memorável, o que mais importa para a trama é o lado humano.

Destacam-se não somente os protagonistas, mas também o heroísmo dos mergulhadores, dos mineiros, dos trabalhadores no telhado e de tantos outros que se submeteram a uma exposição de alto risco simplesmente por seu senso de comunidade. Ou porque seu Governo pediu.

Não há como ignorar que a doutrina soviética é um fator gritante no ocorrido, com seus líderes arrogantes e prepotentes que se preocupavam com as consequências dos problemas para suas próprias carreiras e não para a comunidade, ao contrário da população trabalhadora. Mas, a série expõe sem floreio, as verdadeiras causas de tudo são intrinsecamente humanas: as mentiras.

Mentiras pequenas, mentiras grandes, mentiras para cima, mentiras para baixo, mentiras para os outros, mentiras para si próprio. Todas estão lá, com diversas motivações. E todas contribuem para a tragédia maior e para as tragédias pessoais.

"Cada mentira que contamos gera uma dívida com a verdade. Mais cedo ou mais tarde, a conta é cobrada." Para uma série que começou a ser escrita quatro anos atrás, sobre um episódio ocorrido há mais de trinta, Chernobyl é assustadoramente atual. E, lamentavelmente, Chernobyl será atual ainda por muito tempo.


Chernobyl (Minissérie em 5 episódios - HBO), 2019




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