Pesquisar neste blog:

sábado, 2 de abril de 2016

Somente Para Seus Olhos


Todo mundo evita retrabalho. E geralmente ele só é necessário se o resultado original não foi satisfatório. Não faz sentido refazer algo que já ficou muito bom da primeira vez. A não ser que imagina-se que a nova versão vá dar mais resultado financeiro. Pelo menos pelo raciocínio hollywoodiano.

Não foi com bons olhos que foi vista a notícia de que o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, O Segredo dos Seus Olhos, ganharia uma refilmagem americana.  Do roteiro à direção, da fotografia à maquiagem, da atuação à edição, tudo aparenta impecável, beirando à perfeição, neste fabuloso e intrigante filme argentino. Um novo olhar sobre aquela história parecia totalmente desnecessário.

Porém, os americanos deram luz verde para Olhos da Justiça. Reuniram um elenco estelar, com Julia Roberts, Nicole Kidman, Chiwetel Ejiofor, Alfred Molina, Dean Norris e Richard Kelly, para ficar na linha de fogo das inevitáveis comparações com as atuações de Soledad Villamil, Guillermo Francella, Pablo Rago e do sempre excelente Ricardo Dárin. E se este último foi o destaque no filme argentino, quem rouba a cena no americano é Julia Roberts, numa atuação memorável, digna de prêmios, com uma caracterização corajosa e crua. De toda forma, o personagem central continua sendo o de Ejiofor, que apesar de demonstrar talento, falha cruelmente (com "ajuda", claro, de Nicole Kidman) em estabelecer a emoção e o conflito necessários na relação com a ex-chefe. Falta química. E um pouco de segredo nos olhos.


E se os temas na versão original são tratados com delicadeza e até poesia, nesta refilmagem são martelados durante toda a projeção, seja com diálogos expositivos ou com closes e enquadramentos óbvios. Há também descuido com detalhes técnicos importantes para história, especialmente com o (tão admirável na versão latina) trabalho de maquiagem, que decepciona, variando entre o esquecível e o risivelmente exagerado.

De transportar o pano de fundo da ditadura argentina para a ameaça terrorista pós 11 de setembro, a transformar uma carta em uma história em quadrinhos, o longa americano realiza uma série de adaptações para trazer a história para uma realidade mais acessível para seu público alvo. Praticamente todas funcionam até muito bem, inclusive a (necessária) troca do futebol por beisebol. O problema que surge não é na mera substituição do esporte, mas no fato do filme argentino já ter criado uma icônica cena de tirar o fôlego num estádio de futebol, que quando revisitada no americano em um estádio de beisebol, torna-se apenas mais uma sequência de perseguição padrão.

Inclusive, é difícil afirmar isto mas, embora esta refilmagem possa parecer "mais do mesmo" (ou, no caso, "menos do mesmo"), é bem provável que se mostre um thriller dramático acima da média para quem não assistiu ao original, já que conta com cenas tensas e eficientes, enquanto mantém, sem invencionices, os elementos-chaves que encantam e surpreendem no longa de Juan José Campanella.

Se a intenção era meramente conquistar dólares americanos, a missão dá uma falsa impressão ter sido cumprida, já que Olhos da Justiça arrecadou nos EUA US$20 milhões, contra US$6 milhões de O Segredo dos Seus Olhos. Todavia, olhando a bilheteria no "resto" do mundo, o americano acrescenta meros US$12 milhões ao seu caixa, enquanto o argentino adiciona sólidos US$27 milhões, terminando ambos com pouco mais de US$30 milhões no total. A grande diferença é quando os custos entram na conta. Com orçamento de US$19,5 milhões, a nova versão é um retumbante fracasso, enquanto o de 2009, orçado em torno de US$2 milhões, foi um sucesso indiscutível.

Abra os olhos: a não ser que a) seja um nativo de língua inglesa e tenha restrição em acompanhar legendas; b) seja fã incondicional de Julia Roberts ou c) tenha menos de 17 anos; assista ao essencial O Segredo dos Seus Olhos. Olhos da Justiça não é ruim, mas pode ser dispensado.


Olhos da Justiça (Secret in Their Eyes), 2015




O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos), 2009




Nenhum comentário:

Postar um comentário