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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Oh my dog!


Produtores "discutem" um roteiro que acabaram de ler.

-E o garoto que toca o sino?
-Que garoto? Que sino?
-O garoto que corre para tocar o sino e avisar a cidade quando a mina desaba. E se ele tivesse alguma doença?
-Uma doença?
-Como um aparelho nas pernas.
-Mas ele corre...
-Pode mancar.
-Esqueça a doença, ninguém gosta.
-É deprimente.
-Espanta o público.
-Esperem, tenho uma idéia. E se déssemos um cão pra ele?
-Um cão?
-Um fiel companheiro que trabalha a seu lado na mina de carvão... A mina desaba e só o cão consegue sair.
-Porque cães são menores.
-E o cão desceria a colina e tocaria o sino.
-Caramba, isso é lindo.
-Fiquei emocionado.
-Todos adoram cães.
-Em vez de uma doença, o garoto terá um cão?
-Esqueça o garoto. Não vai ter nenhum garoto. O garoto é o cão.
-Pode ser o que o filme precisa.

Esta é uma versão resumida do divertido diálogo (que mais parece um típico texto do Luis Fernando Veríssimo) que dá início a Cine Majestic. E, embora esta história se passe em 1951, a conclusão da conversa ainda parece expressar bem o sentimento dos produtores de Hollywood de hoje em dia. Em filmes-catástrofe pelo menos.

São inúmeros os clichés em filmes do gênero: o cidadão comum que adquire força e velocidade descomunais e escapa de situações incabíveis; os veículos indestrutíveis dos protagonistas; os coadjuvantes antipáticos que acabam morrendo; o mocinho que parece ter morrido mas ressurge das cinzas; e por aí vai. Mas se tem um que particularmente irrita ao extremo é o do cachorro que se salva milagrosamente do desastre.

Estas sequências foram criadas para criar um apelo emocional ao público (americano, pelo menos), mas acabam não passando de situações absurdas e, se analisadas friamente, de mau gosto. Quem pode se sentir feliz ao ver o cãozinho de O Inferno de Dante se salvar pouco depois de uma avó derreter viva em larva incandescente em frente à sua família? Ou então ver um pai se sacrificar, criando um trauma de vida na filha, só para não deixar o cachorro ser levado por um tornado em Twister? E a lista de exemplos continuaria, Daylight, Volcano, Independence Day, 2012 (que foi o catalisador deste post)...


Vez ou outra surge um Steven Spielberg, um Tim Burton ou um M. Night Shyamalan para dar o gosto de ver a regra sendo quebrada em um Mundo Perdido: Jurassic Park, um Marte Ataca ou um Sinais da vida. (Ok, não dá muito gosto ver Marte Ataca, mas pelo menos - para fins de fugir do cliché - dois cachorros morrem).

Por outro lado, surge também um Eu Sou A Lenda que "quebra a regra", mas só para tentar potencializar o lado emotivo. E o público (americano, pelo menos) vai às lágrimas ao se dar conta que Will Smith perdeu seu melhor amigo (amiga, no caso). E provavelmente todos comiam pipoca animados e felizes enquanto Will Smith perdia sua família.

Simplesmente não faz sentido milhares, milhões ou mesmo bilhões de pessoas serem mortas e o conforto e o consolo virem com a salvação de um bichinho de estimação. A ocupante do banco de trás do cinema não precisa fungar de tanto chorar com a morte das pessoas, afinal estes filmes são para entretenimento puro, mas também a turma da frente não precisa bater palmas e regozijar-se em êxtase com a salvação do cachorrinho.

Srs. produtores, nem todos adoram cães. Da próxima vez tentem salvar as tartarugas marinhas, sei lá. Ou o relógio da torre. Ou Ferris.

Um comentário:

  1. É, essa mania de salvar cachorro é irritante mesmo. Não me admira ter tanto americano que trata cachorro melhor do que gente e deixa fortunas milionárias de herança pra eles. Ser humano é um bicho esquisito...

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