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sábado, 24 de março de 2018

Aniquilando o paradoxo


Os sentimentos são contraditórios. Por um lado, surge a euforia com a oportunidade quase que imediata, sem complicações logísticas nem a dependência de terceiros, para ver um filme que estava na sua lista de mais aguardados do ano. Por outro, uma grande desconfiança, pois um estúdio desistir de lançar uma produção feita para o cinema e vendê-la para um serviço de streaming pode ser mau sinal.

E acontece que só neste primeiro trimestre de 2018 isto ocorreu não só uma vez, mas duas: com O Paradoxo Cloverfield e com Aniquilação.

Como ambos são da Paramount Pictures pode-se imaginar que, após um péssimo 2017 (Monster Trucks, xXx: Reativado, A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell, Baywatch, Transformers: O Último Cavaleiro e Mãe! numa batelada só) a produtora esteja em uma fase de extrema aversão ao risco. Mas, é igualmente estranho não investir nem acreditar em dois títulos que poderiam muito bem pegar carona em dois de seus maiores sucessos de público e crítica em 2016 (e para este blog os dois melhores filmes daquele ano): A Chegada e Rua Cloverfield, 10. Ora, Paradoxo não só compartilha de parte do título do Rua, mas também se passa oficialmente dentro do mesmo universo. E o material inicial de divulgação de Aniquilação apontava fortes semelhanças em atmosfera, ritmo e tema com A Chegada.

Então, com seus dois primeiros títulos do ano tendo uma base sólida para se venderem, por que será que a Paramount desistiu deles? Depois de conferi-los na Netflix, a resposta parece clara: porque um é simplesmente ruim e outro não consegue cativar o público.


O Paradoxo Cloverfield traz um cenário já manjado em Hollywood, um grupo diverso de pessoas preso em uma situação misteriosa e perigosa. E não acrescenta novidade alguma ao mesmo. Pelo contrário, bate nos mesmos clichês e, sendo astronautas-cientistas em uma estação espacial, Paradoxo se parece muito com e comete os mesmos erros de outro filme do ano passado, Vida (que não é ruim e perto deste vira quase uma obra-prima). Raso, desperdiçando um bom elenco e falhando em criar tensão (algumas sequências são risíveis de forma não intencional, embora a trilha sonora insista em criar um clima contrário) o filme ainda tenta impressionar com um tema que é explorado com muito mais propriedade e peso em Rick and Morty (assumidamente comédia). Num ato desesperado, e fruto de refilmagens segundo as más línguas, a produção esticou as cenas que se passam na Terra, tentando fortalecer conexões com o Cloverfield: Monstro original. Mas, só conseguiu deixar os fãs mais confusos.


Aniquilação é um longa que tem um miolo marcado por bom terror/ ficção-científica e que desenvolve conceitos originais com bastante firmeza (além de apresentar a criatura mais assustadora neste gênero desde o Alien de 1979). O problema é que antes do miolo tudo é insípido e após é amargo. O primeiro ato, uma versão de empoderamento feminino para as aventuras típicas de Michael Crichton (onde uma equipe multi-tarefa e de personalidades bem distintas é formada), é superficial, frustando ao não conseguir estabelecer os lastros da realidade por trás da missão e nem se aprofundar nas personagens, apesar do gabarito das atrizes que as vivem. Já o ato final é um primor visual, mas se perde na abstração e se torna uma verdadeira viagem sonífera na maionese. Remete ao pior de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Uns vão argumentar que o importante é a jornada interior da protagonista, cada uma das metáforas - depressão, auto-destruição, etc. Sim, as boas obras de ficção-científica são as que se preocupam em criar metáforas e tornam viagens intergaláticas, multidimensionais ou temporais em um mecanismo para a redenção, realização ou crescimento de personagens. Mas, elas também se sobressaem ao fisgar com sucesso o espectador nos aspectos fictícios, imaginários ou fantasiosos. Talvez seja para o bem de Aniquilação não ter ido para o cinema, pois a internet é mais propícia para que seja descoberto por aquele público específico que gosta de cultuar filmes ditos intelectuais.

A Netflix tem se mostrado uma produtora de conteúdo original de muita qualidade, sobretudo com suas séries. Do ponto de vista prático, não é nada ruim que a mesma possa adquirir os direitos de distribuição de grandes produções destinadas ao cinema e as disponibilizar para seus assinantes com uma janela pequena de lançamento - ou até nenhuma. O que desanima é que parece que isto está só ocorrendo com as "desmerecedoras".

A questão não é torcer para que filmes não sejam vendidos para a Netflix, mas torcer para que os motivos passem a ser mais nobres.


O Paradoxo Cloverfield (The Cloverfield Paradox), 2017




Aniquilação (Annihilation), 2017




2 comentários:

  1. Cloverfield é muito ruim. O Rua Cloverfield 10 deveria (e ia ser) outro filme mas conseguiram colocar o monstro no filme com um final ridículo e esse Paradoxo foi pior; com um elenco até de qualidade mas o roteiro deixa muito a desejar. Já Aniquilação é bom, apesar também das falhas de roteiro, ao menos injeta mais suspense e faz o espectador pensar mais um pouco. Mas certeza tenho uma, se eles fossem para o cinema seriam decepções. E a Netflix tá investindo muito em ficções (meu gênero preferido) mas, quantidade não significa qualidade. Parabéns pelo blog, cheguei aqui quando estava no meu e usei a guia "Próximo blog". Parabéns. Dar uma sacada no meu (https://criticoalagoano.blogspot.com.br) demoro a atualizar devido a tempo.

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  2. O Paradoxo Cloverfield, apesar de se aproveitar de certos elementos importantes impostos nos dois filmes antecessores, possui um roteiro frágil e vazio dentro de sua proposta original. Amei ver no elenco a Elizabeth Debicki, ela é uma atriz preciosa que geralmente triunfa nos seus filmes. Recém a vi em O Conto, um dos melhores filmes de terror, sendo sincera eu acho que a sua atuação é extraordinário, em minha opinião é a atriz mais completa da sua geração, mas infelizmente não é reconhecida como se deve.

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