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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Bastidores da verdade


Mesmo com a política sendo peça fundamental em entradas recentes de seu currículo, como em Munique, Lincoln e Ponte dos Espiões, é somente agora com The Post: A Guerra Secreta que Steven Spielberg mergulha no universo de bastidores da notícia e do poder e mostra mais uma ponta de seu ecletismo com um genuíno e notável thriller político. Em apenas 9 meses, dos preparativos iniciais até o lançamento,  o diretor gestou um indicado ao Oscar de Melhor Filme. E dá para entender a “correria”. Ambientado no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a trama real que envolveu o embate entre imprensa e governo sobre mentiras acerca da guerra do Vietnã é mais do que atual e serve para estimular debates importantes.

O que poderia facilmente ser um arrastado e didático reconto de uma passagem sem graça (não fossem os desdobramentos) do dia-a-dia da equipe do jornal Washington Post, nas mãos de Spielberg ganha um ar da urgência, tensão e novidade. Os diálogos expõem conflitos pessoais e interesses ocultos, tanto de jornalistas quanto de políticos, sempre ressonando com a atualidade.


O destaque é o elenco estelar, liderado por Meryl Streep em (já é clichê, mas vamos lá) uma atuação digna de Oscar e por Tom Hanks, sempre excelente, embora com menos material para brilhar como em outros momentos de sua carreira. Sarah Paulson, Bradley Whitford, Matthew Rhys, Carrie Coon, Jesse Plemons, David Cross e Dan Bucatinsky são alguns dos coadjuvantes - todos eles experientes e já com, ao menos, indicações ao Emmy na bagagem. Assim como também o eterno Saul Goodman, Bob Odenkirk, que é de longe o melhor em tela (dentre os homens, claro).

Embora a produção tenha o trunfo de usar gravações telefônicas reais de Richard Nixon à época, suas falas acabam parecendo caricatas e não somente pela natureza do presidente (as frases públicas de alguns presidentes são surreais já hoje, imaginem as particulares daqui a algumas décadas). O enquadramento que Spielberg escolhe para mostrar Nixon e a trilha sonora digna de vilão de quadrinhos que o acompanha acentuam o tom de uma artificialidade que não era para existir. Mas, é um incômodo menor, como outros pequenos, que não atrapalha uma obra consistente.

Esta espécie de prelúdio de Todos Os Homens do Presidente não deixa nada a dever ao aclamado filme de Alan J. Pakula nem a nenhum outro clássico do gênero. Essencial.


The Post: A Guerra Secreta (The Post), 2017




quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Mães e filhas


No atual momento de Hollywood, onde há um clamor pelo empoderamento feminino e uma aparente pressão por prestigiar os trabalhos realizados e/ou protagonizados por mulheres, a existência de um filme como Lady Bird: É Hora de Voar pode parecer oportunista. Se ganhar quaisquer das categorias pelas quais foi indicada ao Oscar (Filme- Roteiro- Direção- Atriz- Atriz Coadjuvante), a produção irá levar uma mulher ao palco do Dolby Theater para discursar. Mas, sendo um trabalho tão pessoal e de tão longa gestação por parte da criadora Greta Gerwig, julgá-lo como tal é injusto e incorreto.

As indicações nas categorias de atuação são incontestáveis. Saoirse Ronan e Laurie Metcalf são a razão do filme existir e esbanjam uma química fora do comum, estabelecendo uma dinâmica entre mãe e filha crível e comovente. É um projeto claramente movido pela paixão e Greta Gerwig deixa isto transparecer em sua direção sólida e segura e em seu roteiro repleto de diálogos espertos.


Porém, a composição como um todo transforma o trabalho em apenas mais um filme sobre a transição da adolescência-juventude. As cenas rápidas, de natureza episódica, atrapalham o desenvolvimento de um arco dramático ao longo prazo e deixa a impressão de que está sendo preenchido um check-list dos anseios e vivências mais comuns de uma adolescente. Família, escola, rebeldia, amizade, religião, namoro, virgindade, aparência, álcool, drogas, faculdade, dinheiro, individualidade, status social, futuro... todos os temas “obrigatórios” estão ali aglomerados em 01h30 de projeção, que parece durar muito mais do que isso. É muita coisa que já foi transportada para o cinema antes, muitas vezes de forma até melhor e com mais assunto.

Os méritos de Lady Bird são vários, mas os deméritos também existem. Assim, há os que enxergam os defeitos e incorrem no risco da acusação de oportunismo ou protecionismo. E há aqueles que, calejados com a infeliz estatística que pesa contra a quantidade de mulheres nos bastidores do cinema, acabam enxergando somente os pontos bem sucedidos. Porém, Greta Gerwig precisa apresentar um produto final melhor, como já fizeram Kathryn Bigelow, Patty Jenkins, Ava DuVernay, Michelle MacLaren e Lesli Linka Glatter (só para citar uma mão cheia, dentre as realmente poucas que existem) para não ficar só no “ótima direção, para uma mulher”.


Lady Bird: É Hora de Voar (Lady Bird), 2017




terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Viva a Pixar!


Festa no Céu, a animação que tem como pano de fundo as tradições mexicanas do Dia dos Mortos, teve uma passagem pelo plano dos vivos sem muita repercussão. É uma pena, pois a produção de Guillermo del Toro centrada em um jovem que contraria a tradição de sua família para perseguir o sonho de ser músico é melhor do que se imagina e merecia mais destaque. Ainda bem que existe vida pós-cinema para as obras serem celebradas em DVD, BluRay ou streaming.

Justamente por este filme de 2014 ter tido pouca visibilidade, foram poucos os que ficaram com o pé atrás quando a Pixar anunciou uma produção com temática bem similar. Normalmente, seria sinal de falta de criatividade, certeza de uma visão míope e americanizada de uma vertente da cultura latina já adaptada para o cinema com tanta propriedade.

Mas, Pixar é Pixar.

Viva - A Vida é Uma Festa realmente tem a mesma fonte de inspiração que Festa no Céu. Mas, restringe-se a isso. Não cabe comparação. O enredo, as mensagens e os objetivos são bem diferentes. E mesmo que Viva não esteja no patamar de outras preciosidades da Pixar, tem seu brilho próprio.


A história segue o menino Miguel em uma jornada de descobertas sobre família, tradição e morte. Este último tema, em especial, é manejado pelos realizadores com sensibilidade e de uma forma adequada para o público infantil. Mesmo quem não compartilha das mesmas crenças utilizadas como base para o enredo não consegue deixar de se emocionar e ainda pode encontrar ganchos para abrir diálogos necessários com os pequenos.

Acima de tudo, Viva é um filme alegre, divertido e comovente, com uma boa dose de reviravoltas (talvez óbvias para os mais safos, mas não menos interessantes). A qualidade da animação é de primeira e o elenco composto essencialmente por mexicanos está bem à vontade (incluindo o estreante Anthony Gonzalez que dá voz ao protagonista mirim). A música, elemento tão crucial para a trama, empolga - seja com a trilha instrumental de Michael Giacchino, seja com as canções originais de Kristen Anderson-Lopez (mais conhecida por seu trabalho em Frozen - Uma Aventura Congelante).

A esta altura do campeonato parece que é automático para a Pixar fazer rir e fazer chorar, entreter puramente enquanto chama para a reflexão. Parece simples, como seguir uma fórmula. Se há de fato este molde mágico na Pixar, os estúdios concorrentes parecem não estar dispostos a copiar. Ou estão tentando e passando longe.


Viva - A Vida é Uma Festa (Coco), 2017




domingo, 21 de janeiro de 2018

Botando a raiva pra fora

A temporada de premiações pode ser injusta com muitos filmes, que correm o risco de serem julgados não pelo que são, mas pela comparação com os principais concorrentes. Assim, quando uma obra grandiosa e cinematográfica como Dunkirk, por exemplo, está no páreo é fácil diminuir o valor de uma produção com escopo mais contido. Assim, foi um susto para muitos, mas não surpresa para todos, quando Três Anúncios Para Um Crime ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme este ano. Independente da concorrência, o fato objetivo é que o filme é realmente muito bom. Sim, por vezes parece um filme feito para televisão, mas com a qualidade da TV hoje em dia, isto é longe de ser demérito.


Três Anúncios lembra bastante as realizações dos irmãos Coen, só que mais palpável. Como se as excentricidades tivessem sido podadas (mesmo que remanesçam algumas situações inusitadas e comportamentos inesperados), em favor de uma ambientação mais realista e personagens mais verossímeis. Ajuda bastante estes serem construídos com atuações de primeira de todo um elenco, que conta com coadjuvantes como Woody Harrelson e Peter Dinklage e é encabeçado pela musa dos Coen, Frances McDormand. Destaca-se também Sam Rockwell, dando camadas de profundidade ao policial que poderia ser apenas mais um dos seus tipos caricatos.

Mérito seja dado também ao roteiro, que foge de ser um estiloso amontoado de diálogos afiados e traz complexidade a suas crias, evitando que se tornem esteriótipos unidimensionais (com exceção, talvez, da namoradinha do ex da protagonista). Em meio a passagens de pura crueldade no seu ensaio sobre a raiva, o longa consegue encontrar indícios de sensatez e compaixão. E com tanto tema pesado, ainda consegue acertar a mão no humor (com exceção, talvez, da namoradinha do ex da protagonista).

Atenção - spoilers no próximo parágrafo

Após passar toda a duração de seu filme testando a percepção do público, levando-o a julgar os personagens e convidando-o a se colocar no lugar deles, enquanto surpreende com novas facetas dos mesmos, o diretor-roteirista Martin McDonagh opta por um desfecho  deliciosamente inconclusivo. Mais uma vez, caberá ao espectador juntar o que foi apresentado e decidir o que vale a pena tirar como lição.

Fim de spoilers

Se o filme receber uns três anúncios para coletar estatueta na noite do Oscar, os que torcem por Dunkirk, A Forma da Água ou The Post - A Guerra Secreta precisarão entender que não se trata de um crime.


Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri), 2017